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Sete Virtudes,
Sete Vícios
João
Pinharanda
Uma pintura moral
Público
Outubro de 2000
Como resistem as imagens exemplares e
os exemplos morais à usura dos séculos? Mudam-se as vontades
e as poses, os seres e a confiança. Domingos Rego actualiza a questão. Giotto,
no início do século XIV, pintou, como complemento de um dos
mais decisivos programas pictóricos do Ocidente, a Capela Scrovegni,
um conjunto de catorze figuras alegóricas: as sete virtudes e sete
vícios. Os casos ilustrados são escolhidos dentre as várias
tipificações possíveis e constituíam uma questão
que a teologia, a filosofia e até a ciência vem discutindo e
classificando (de Aristóteles a Damásio). O texto do catálogo
(Leonor Nazaré)
percorre de forma certeira e iluminadora das intenções e fundamentos
históricos e actuais (as etapas da questão no pensamento ocidental)
da iniciativa de Domingos Rego.
Visto de fora – ou melhor, antes de ser visto – o trabalho pode
parecer ferido de uma circularidade sem solução: retoma um tema
formalmente já exaurido pelas variações que lhe dedicaram
ao longo dos séculos; restringe a uma dessas variações
particulares (a de Giotto) a sua fonte de inspiração; glosa
um tema ideologicamente ferido por um desenvolvimento histórico que
relega as categorias da moral para lugares secundários no discurso
reflexivo e nas normas e referências de comportamento.
No entanto, se é a eficácia plástica que se trata de
analisar, ela parece alcançada. Vejamos então as obras expostas,
ultrapassado a dicotomia que o catálogo lhes confere: um capítulo
de pinturas, seguido de um capítulo de desenhos, reproduzidos ambos
em tamanho similar. É na realidade da montagem que a obra definitivamente
se ganha.
Numa sucessão de duas pequenas salas, aberta uma sobre a outra, associam-se,
numa ordem que segue a de Giotto, as sete pinturas das sete virtudes –
pinturas a acrílico sobre tela figurativas de um realismo gélido
tirado talvez da ilusão que recebemos ao ver uma pintura “afresco”.
Mas, imediatamente ao lado de cada uma delas temos os desenhos a carvão
sobre papel, igualmente figurativos mas de um realismo mais quente e apresentando
o vício correspondente à virtude ilustrada. Essa proximidade
acentua a gigantesca alteração de escala (146 x 114 nas pinturas
para 32,9 x 23,1 nos desenhos).
É o desequilíbrio físico e semântico de imagem
(cor/preto e branco; grande/pequena superfície; acrílico e tela/carvão
e papel, técnica de pinturas e técnicas de desenho, virtude/vício)
resolve cada um dos conjuntos e o conjunto de toda a exposição.
É notável como a pequenez e descrição (de cor)
da representação do Vício se agiganta de modo a fazer-se
equiparar (apenas visualmente?) à pompa e serenidade da representação
das Virtudes. Diluem-se as originais fronteiras do sentido (Leonor Nazaré
chama a atenção para isso no seu texto) e o que se estabelece
não é então uma mera confrontação de princípios
discursivos irredutíveis mas um diálogo contrapontístico
de imagens – até que nenhuma classificação judicativa
exterior à razão emotiva que comanda a visão separe no
espectador a virtude e do vício. |
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