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Sete Vícios,
Sete Virtudes
Luísa
Soares de Oliveira
Público
Dezembro de 2000 Domingos
Rego actualiza a representação dos vícios e das virtudes.
Um risco louvável, a confirmar na Galena Palmira Suso, em Lisboa.
Em Pádua, na Capela Scrovegni, Giotto pintou há muitos séculos
a representação dos sete vícios e das sete virtudes,
fixando iconograficamente a figuração dos defeitos e das qualidades
da alma. Mais; porque a virtude é mais que uma qualidade, e o vício
mais que um defeito... contudo, para a época, ainda forçosamente
pré-renascentista, a pintura tinha o acréscimo didáctico
de mostrar o que afastava e o que aproximava do paraíso. Propósito
didáctico, portanto, propósito moralizante, também. Actualizar
a representação dos vícios e das virtudes, numa época
em que a pintura se afasta (voluntariamente?) de qualquer intenção
dogmática, é correr um risco louvável que Domingos Rego
não hesita em fazer, na sua mais recente individual, a decorrer na
Galeria Palmira Suso, em Lisboa.
Sob a invocação dos frescos de Giotto, as sete pinturas, representando
outros tantos vícios, deixam-se descobrir pelo espaço da galeria,
começando pela Injustiça, uma silhueta a negro, sem rosto, de
um corpo masculino, que se apoia numa mesa. Ao lado de cada pintura, há
um pequeno desenho a carvão da Virtude respectiva, estabelecendo assim
o contraponto necessário à precedente exposição
deste artista na Casa da Cerca, em Almada, terminada há menos de um
mês, em que o registo era o oposto: grandes pinturas das Virtudes, e
pequenos desenhos dos Vícios. Equilibram-se assim os formatos, as técnicas
e os temas; mas não sem que, antes, o desequilíbrio tenha sido
instaurado, e que ele não seja lembrado pontualmente, em cada obra
que se descobre.
Nas pinturas de Giotto, cada imagem, cada alegoria estava enquadrada numa
arquitectura fictícia, ela própria pintada. Todo o modo de representação
era pré-moderno, porque anterior à invenção da
perspectiva linear, que haveria de unificar todo o espaço a partir
do ponto de vista (do olho) do espectador (que era também, simultaneamente,
o olhar do pintor). O espaço é, assim, divino, não da
ordem das coisas da terra, mas da ordem das coisas do céu, tratando-se,
por força maior, de uma capela. Contudo, as Virtudes (fé, esperança,
caridade, prudência, temperança, justiça e força),
como os Vícios (loucura, inconstância, ira, injustiça,
infidelidade, inveja, desespero), são da ordem das coisas do homem.
E, visto que o mundo é hoje outro, como é possível, ao
artista, actualizar a ética, a ética não tanto da sociedade,
mas da actividade do pintor? A resposta de Domingos Rego está ao nível
da própria superficie da pintura, de uma pele táctil, porque
rugosa, devido à própria matéria-prima escolhida, que
se desdobra nos corpos de que o pintor se serve para pintar cada alegoria.
E que o desenho anterior de cada vício é aqui entendido como
o estudo da pintura, ao passo que os desenhos das virtudes se dão a
ver como os esboços preparatórios das pinturas vistas em Almada.
Nos corpos representados, a construção da alegoria é
sobretudo uma questão de pele: pele da pintura, do modelo representado,
das vestes que veste –
ou despe... Na Infidelidade, por exemplo, um personagem masculino (uma auto-representação
do pintor) agarra com força a blusa que veste, enquanto que uma das
fitas do laço que a segura se desprendeu por cima de um manequim de
pintura. Raramente podemos distinguir as feições; tudo se passa
ao nível do gesto, da roupa, do pregueado, do corpo, no sentido mais
literal desta palavra.
E, se as alegorias de Giotto perderam talvez a sua leitura – quem hoje, para
além dos eruditos, saberá por que é a Justiça
representada sentada num trono gótico, segurando duas figuras nas mãos?
–
a pintura deste jovem artista (como outros da sua geração) tem
o mérito, que não é dos menores, de transpor para este
suporte um tipo de questões que tem encontrado o seu lugar noutros
meios mais sofisticados, como o vídeo e a instalação.
E de dar uma resposta complexa, motivante, a seguir atentamente.
É ainda de realçar o belíssimo texto de Leonor Nazaré,
que apresenta a exposição no seu todo. |
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