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Ócios do Olhar
"Deambulações"
Domingos
Rego
Aqui apresentam-se dois diaporamas que põe em evidência a dilatação e a aceleração do tempo na cidade. Esta peça, integrando dois diaporamas, foi concebida como um obra única, sendo os dois diaporamas editados em DVD, vistos lado a lado, em simultâneo, passando em loop e com cerca de 2’ 50’’ cada um.
No primeiro, Deambulações 1, é ensaiada a lenta transformação de uma imagem, imagem que se reporta a um espaço interior, e onde o autor se auto representa, captado de costas, sentado a uma mesa, aparentemente a ler.
As primeiras imagens sofrem uma manipulação que as “queima” com excesso de luz. Num processo demorado e quase imperceptível a imagem transforma-se gradualmente até ter a iluminação original, para logo escurecer, lentamente, até se tornar quase negra. Dessa quase ausência de imagem surge a segunda imagem, fotografada exactamente no mesmo sítio, mas sem a figura humana; o espaço permanece inalterável, à excepção da luz, uma vez que a cena passou a ser nocturna e é possível perceber, através das janelas, a passagem da luz do dia para a noite.
Também aqui, a imagem sofre uma lenta transformação, do negro, passando pela iluminação original (correcta), até ficar sobre-exposta.
No segundo diaporama, intitulado Deambulações 2, é apresentada uma rápida sucessão de imagens, a passarem com cerca de 1’’, reportando-se a percursos na cidade, sugerindo deambulações do olhar, trajectos, direcções, ritmos, encontros e desencontros, descobertas, adoptando a cidade um carácter labiríntico que importa desvendar.
Entre a lenta transformação das imagens no primeiro diaporama e a rápida mudança no segundo se constroem os sentidos que esta peça propõe. Uma dilatação do tempo associada à transformação interior dos seres, à sua formação intelectual e estética e a sua harmonização com o tempo natural, que marca a passagem dos dias. Mas a mudança, o movimento, a transformação também são condições da existência, são mesmo sinónimos de vida. A cidade é uma metáfora da vida, no que ela tem de descoberta e transformação permanente.
Esta obra não propõe a representação iconográfica do tempo, oferece dele uma experiência directa, modelado de dois modos diferentes, lento e rápido, num fluir contínuo, como a vida.
Como escreveu Genet no prodigioso texto sobre Giacometti 1, a propósito dos percursos na cidade: “Zona secreta, solidão onde se refugiam os seres – e as coisas –, é ela que dá beleza à rua: por exemplo se for sentado num autocarro basta olhar pela janela. A rua cede o que o autocarro devassa. Sigo demasiado depressa para ter tempo de reter rostos ou gestos, a velocidade exige do meu olhar igual velocidade, e por isso nem um rosto, um corpo, ou atitude sequer me esperam: tudo está ali a nu. […] Atravesso assim uma cidade esboçada por Rembrandt, com cada qual e cada coisa fixos numa verdade que dispensa beleza plástica.” 2
Também aqui, mais que a beleza dos seres e das coisas se tentou tocar a verdade de uma vivência, a vivência do ócio na cidade.
Nova Iorque, 2005 |
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