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       Ócios do Olhar 
      "O Vagar dos Dias" 
      Domingos 
        Rego 
      Vivemos na era da velocidade e toda a nossa vida se organiza   em torno de horários que deixam pouco tempo para o ócio. Desde meados do século   XIX, as artes reflectiram a necessidade de contrariar essa velocidade, ou pelo   menos, de oferecer outras concepções de tempo nas obras produzidas. Le Déjeuner   Sur L'Herbe de Manet condensa muitas dessas preocupações e tornou-se um   paradigma das representações do ócio. Nessa medida, este primeiro núcleo   constitui uma evocação dessa obra, dialogando com ela e cruzando referências com   a obra Storyteller de Jeff Wall. Ao optar por expor exclusivamente uma   fotografia, pretendeu-se centrar a atenção dos espectadores nesta obra,   reforçando essa concentração com luz artificial dirigida para o trabalho e   deixando o resto da sala na penumbra. O grande formato (120 x   180 cm.) ajuda a   transportar o espectador para o espaço representado, reforçando a identificação   com a cena. O olhar envolvente que resulta do ponto de vista, de cima para   baixo, que caracteriza a fotografia, sugere profundidade. Esse ponto de vista   corresponde ao de Le Déjeuner Sur L'Herbe. 
      A circunstância de esta imagem resultar, tal como as outras,   à excepção da obra Deambulações 1, de um "instante decisivo" (Cartier-Bresson),   gera, desde logo, uma discrepância com a memória que temos do quadro de Manet: a   fotografia não foi encenada mas parece que foi, parece que o quadro de Manet   esteve na origem da colocação daquelas personagens em cena. Essa   dúvida é o primeiro elemento que prende a nossa atenção. 
      Na obra Storyteller, de Jeff Wall, a colocação das figuras   principais numa zona lateral da composição é um elemento fundamental para o   diálogo que o fotógrafo canadiano estabelece com a obra referencial de Manet.   Jeff Wall dá-nos pistas que remetem para o quadro de Manet mas subverte   determinados elementos que provocam uma tensão entre a memória que temos do   quadro e a obra que apresenta. Uma dessas pistas tem a ver com o género das   personagens. Jeff Wall jogou com a colocação simétrica da personagem que está   nua no quadro original, vestindo-a, virando-a para o lado contrário e optando   por um homem para esse papel. Na fotografia que apresentamos, tal como na obra   de Jeff Wall, temos a presença de duas mulheres e um homem. Também o homem está   vestido, sensivelmente na posição do quadro de Manet. Mas a figura que, aí, está   no centro e olha os espectadores, aqui encontra-se de costas, sem que possamos   aceder às expressões do seu rosto, a não ser indirectamente pelas expressões das   outras duas personagens. 
      No trabalho que apresento, a centralidade do grupo mantém-se,   numa escala de apresentação menor do que no quadro de Manet, o que permite   expandir o espaço onde este se inscreve e produzir um desdobramento de   acontecimentos na composição. Com efeito, é possível identificar vários grupos,   muitos deles também com três elementos, ao longo do relvado do Central Park. É   como se esta multiplicação representasse uma metáfora do crescimento da   importância do ócio, desde a época de Manet até aos nossos dias. Mesmo a   localização da cena, num espaço central da cidade (o Central Park), ao contrário   da periferia de Le Déjeuner Sur L'Herbe, reforça essa ideia: o ócio tornou-se   central nas vivências dos habitantes das grandes cidades. 
      Nada interfere no contínuo verde do relvado, nenhum elemento   arquitectónico, nenhum viaduto; como na fotografia de Jeff Wall, tudo é espaço e   promessa de liberdade. 
      Nova Iorque, 2005  
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