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Observatório
Domingos Rego
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Texto de apresentação da instalação com o mesmo nome de António Faria.
No âmbito do ciclo de conferências subordinado ao tema “Razão, Ciência, Humanismo e Progresso”, na Fundação de Serralves, junho 2019, Porto.
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“Atención: la percepción requiere participación.”
Antoni Muntadas
Esta frase do artista catalão Antoni Muntadas recebeu várias traduções, nos vários países em que expôs. Em Portugal, por exemplo, a frase adotada na sua última exposição, na Fundação Gulbenkian, foi: Atenção: a perceção requer empenho. Em todas as hipóteses encontradas se evoca uma atitude pró-ativa no ato de ver, não é um simples olhar distraído e fugaz que toca a superfície das coisas, o que se propõe é o ver como uma forma de aceder ao conhecimento.
A peça que António Faria nos apresenta vai nesse sentido, convida-nos a entender o livro como um livro de artista, ou seja, um objeto que vive da experiência física e estética que é capaz de oferecer ao espetador, que não se esgota na possibilidade da sua leitura, mas nos abre hipóteses simbólicas e de sentido mais alargadas, também do ponto de vista da sua forma e da sua construção, na linha do que acontece com as propostas surpreendentes do artista brasileiro Waltercio Caldas ou, no contexto português, os livros de Lourdes Castro, tão bem analisados por Paulo Pires do Vale, no texto Dos Signos e do Resto, no catálogo da exposição Todos os Livros, na Gulbenkian, em 2015.
Há uma ideia de materialidade que não se pode perder e que passa pela experiência física das coisas. O livro é aqui a porta de acesso ao conhecimento, não à informação descontextualizada e sem tempo de amadurecimento, mas um conhecimento que resulta de uma procura, de uma curiosidade que não se exime à proximidade das coisas, à sua observação, como quem observa através de um visor de microscópio, ou de uma lente de telescópio. O que este trabalho questiona são os níveis de atenção necessários ao estudo e à aprendizagem, essa questão reveste-se da maior relevância na atualidade, uma vez que a aceleração trazida à sociedade pelas novas tecnologias da informação, gerou novos hábitos que conduzem, por vezes, a dificuldades de concentração e à perda do foco.
O problema tem vindo a amplificar-se com o mar de imagens que nos inundam, mas também, num outro sentido, com a imensa informação disponibilizada pelos media e pela internet, que requer trabalho e discernimento para poder tornar-se conhecimento. A fotografia no centro deste trabalho, alvo da observação através do óculo, corresponde à fixação, através da câmara de Augusto Alves da Silva, de um professor a lecionar, num ambiente propício à concentração, com utilização de um retroprojetor, uma referência quase arqueológica das salas de aula; e é nessa presença e nessa atenção que tudo se concentra.
Os desenhos que acompanham esta instalação documentam a própria construção do dispositivo e são atravessados por elementos naturais, ramos e troncos de árvores, como se essa referência matricial à natureza devesse ser inscrita em cada gesto, em cada momento do crescimento, da educação e da evolução de cada ser humano.
Azeitão, junho de 2019
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