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A capacidade de ver
Domingos Rego
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Texto para a homenagem a João Esteves de Oliveira, no âmbito da exposição Moderno e Contemporâneo: A Colecção de João Esteves de Oliveira, Galeria João Esteves de Oliveira, Lisboa, 2019.
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O João inscreve-se numa genealogia de galeristas rara, que tem uma origem mítica, remota, nos mecenas renascentistas, que se expande nos marchands d'art românticos, e que se manifesta no filantropismo e altruísmo de alguns colecionadores atuais (que o João também é). A palavra que melhor define a relação que estes galeristas estabelecem com os artistas é: amizade; no que esta implica de lealdade, honestidade, confiança, cumplicidade, proximidade, lisura de comportamentos, busca recíproca da excelência, sem esperar nada em troca. A par destas características, o que define estes seres invulgares é a paixão sem limites pelo que fazem, o gosto por concretizarem projetos, um olhar seletivo e assertivo sobre as obras, a capacidade de intuírem como resulta uma exposição.
Nos dez anos que trabalhámos juntos, a palavra amizade foi ganhando expressão pelo respeito mútuo, pelo profissionalismo de parte a parte, pelas críticas construtivas e pertinentes, que soubemos sempre integrar no processo normal de trabalho, pela capacidade de nos surpreendermos um ao outro, de partilharmos opiniões sobre a vida, as exposições, os gostos musicais, os catálogos, os livros e as viagens.
Um encontro no atelier, ver os trabalhos e, num último olhar, o João a resgatar um esboço suspenso na parede – acha que podemos juntar ao conjunto? É isso, quase nada, que é tudo: a capacidade de ver para além da matéria suspensa na parede.
Azeitão, 17 de março de 2019
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