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Especular. Notas sobre "Experiências do Narciso", de Paulo Damião

Domingos Rego

 

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Texto de apresentação e catálogo da exposição "Experiências do Narciso",
de Paulo Damião, Galeria Arte Periférica, Lisboa, 2021.

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Nada fica igual, uma luz metálica vem repousar sobre o corpo, o rosto, os objetos e os espaços, instalando-se, melancólica, no silêncio da noite. Há um rumor de dor e de prazer que se desprende daquele lugar. Não nos resta outra possibilidade, seguimos as pistas dispersas nas pinturas, interrogamos as cores e as formas imprevistas, afastamos com cuidado as camadas que foram crescendo na superfície, analisamos meticulosamente os fragmentos da luta que se espalham à nossa frente.  

Especular é um verbo e tem a ver com uma observação atenta, com reflexão teórica, mas também é adjetivo e relaciona-se com espelhos, com as formas que nos são devolvidas pelas superfícies polidas, pelos vidros e pelas águas em repouso. Esta dupla condição caracteriza, num certo sentido, a criação artística: uma meditação sobre o mundo e um conhecimento aprofundado de si, as duas são imprescindíveis. Na restituição imagética do espelho há uma revelação, uma descoberta inatingível de outro modo, daí o fascínio de Narciso perante o seu reflexo, o fascínio de se saber ali, de confirmar uma existência única, uma beleza inacessível; são lampejos de uma vida a pulsar naquela superfície, ecos (tal como a ninfa na história de Ovídio) que o desviam da relação com os outros, empobrecem a sua existência e o levam à autodestruição.

Os trabalhos que Paulo Damião nos apresenta ganham redobrada pertinência nestes tempos de incerteza, isolamento e afastamento dos outros.




Azeitão, 18 de setembro de 2021


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